sábado, 26 de janeiro de 2013

Cidade

Eu virei a rua, e de repente me dei conta que havia atravessado os limites, rompido a barreira.
A cada passo que eu dava, a cada flexão dos joelhos, mais e mais a cidade me absorvia.
Como em um mergulho, eu de olhos bem abertos tentava observar os corais.

E de baixo dos viadutos estavam entocados os soldados de rua, com uniformes modestos, sem medalhas para enaltecer, emaranhados em barricadas de papelão, numa estratégia impensada, apenas sincera. Atirando lembranças, choques visuais, desespero, numa luta Quixoteana, contra moinhos de vento em que as pás são a família, o trabalho, a igreja...


E em mais alguns passos os semáforos se fecharam e abriram alas para os malabaristas de corações. Corações inflamados, apaixonados, num palco que não censura artistas, não classifica, não condena, não segrega. E após um a um estarem todos em teus braços, as sementes lhe foram jogadas no chapéu.

E no verde, os ciclistas se foram, levando em si a emoção de dizer não, de viver o boicote, de negar o comum, e a brisa parecia servir de combustível, ao mesmo tempo de incentivo. E a semente jogada no chapéu parecia agora estar brotando em seus ombros, formando a copa, que há de proteger.

E ao passar por uma rua inibida de sua maior essência (transitar), encontro máquinas ferozes, batendo num ritmo engessado, numa nota atonal (se é que isso é possível),  demolindo a manta asfáltica, prometendo construir, numa anedota alá Tom Zé em que destruir constrói e confundir explica.
E em cada caçamba se perdia um pouco mais das pegadas dos pés cansados (de quem trabalhou de mais), dos pneus gastos ( de quem dirigiu de mais), das gotas da chuva que causou estragos num bairro (em que choveu de mais), e em outro bairro refrescou um casal durante o beijo ( que se amou de mais).

E bem ali eu parei, pra assistir o par que sobreviveu as pancadas das pás do moinho, que emprestaram seus corações inflamados, que arremessaram as sementes no chapéu e sentiram a brisa tocar-lhes o rosto. Que se destruíram e se construíram, que deixaram pegadas, e que se beijaram.

Mais alguns passos, e eu fui embora!




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