quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sienita, Uma Apresentação



Olá meu caro amigo desconhecido! Quanto tempo! Eu ainda sigo nessa minha sina de tentar respirar em uma bolha saturada de gás carbônico, e o pouco de oxigênio que minha narina consegue sugar, me faz mal. Pensei em escrever pra ti antes, na virada do ano... Eu bem me lembro, chegando em casa para a celebração com quase quarenta graus de febre. Fora todo o barulho e o excesso de medicamentos, acho que este foi o melhor réveillon que já tive!

Falando em lembranças, lembrei-me daquela menina que falei pra ti um dia desses, a Sienita (aquela do telefone que nunca tocava...). Sempre me lembro dela quando me sinto muito só. Lembro-me que ninguém tinha muita esperança nela, nascida de uma polução - como diria a própria mãe - andava sempre a forçar sorrisos para os outros. Sempre me sentia familiarmente mal com aqueles sorrisos, principalmente quando eu me olhava frente ao espelho.

Depois de vários internamentos e choques elétricos, o internato liberou-a para passar o natal com a família. Passei o natal na casa deles - são muito amigos da minha família, e me encontrei com Sienita lá. Logo trataram de arrumá-la o mais cordialmente possível, com um batom vermelho encardido carimbando a boca, um vestido branco e azul claro de seda, e o seu inocente sorriso forçado de 'está tudo bem'. Eu me sentia muito escroto por estar ali. Ainda acho que, de uma forma bem peculiar, todos ali se sentiam também, só que não ligavam pra isso (ou fingiam não ligar). Se escondiam na velha sensação 'normal' de desapontamento e na velha falsidade de sempre de todo ser humano.

Ah! Família (?)... Sua mãe sempre abria a porta do quarto, trocava a roupa de cama e olhava-a com um olhar indiferente de cansaço e enxaqueca, e sem esboçar reação sequer, fechava a porta. Ia pra janela velha de madeira do corredor e acendia um cigarro. Teu pai... Que pai? Aquele cara que vivia batendo pega na rua, sempre tratando os outros com ignorância e se dizia pastor de igreja. Um autêntico "dizia que era crente, mas não sabia rezar" (risos). Vivia levando faxineiras para arrumar a casa - todas muito bonitas por sinal. Sempre ouvia-se gritos de "oh meu Deus" no outro quarto de hospedes. Não meu caro, não era nenhum 'irmão' orando!

No dia seguinte do natal - um dia frio e nebuloso - mal dava para lavar o rosto no banheiro, vi Sienita desenhando em sua janela, suja de tanta poeira acumulada, desenhos mordazes e morosos. Passei pela porta do teu quarto, vi que estava aberta, e fiquei observando-a. Tentei tomar coragem (tímido como sou) e conversar um pouco com ela, para ver se eu me sentia útil pelo menos uma vez na vida.
Bati na porta avisando que estava entrando e, meio desajeitado por sinal, perguntei-a como estava se sentindo. Ela veio, com aquele sorriso de sempre, fechando a porta um pouco apressadamente e somente disse "cavalgando em cavalos fantasmas" e fechou a porta por completo. Minutos depois de um barulho estranho e cortante, não se ouvia mais nada lá de dentro. Por alguns minutos fiquei sentado frente a porta do quarto dela pensando com um calmo desespero o que eu poderia fazer. Sei que não sou nenhum Indiana Jones, Macgayver ou qualquer coisa que o valha da vida, mas poxa, eu estava cansado de me sentir um morto em vida! Queria, como diz um grande amigo meu, ao menos uma vez, sair do fundo do mar para respirar.
Entretanto, reimaginando a cena, desta vez percebi que teu sorriso era diferente. Teus olhos refletiam um rastro de luz e de vida e, por uma fração de segundo, ela me pareceu realmente 'feliz'.
Portanto resolvi apenas - como de costume - botar meu fone de ouvido, ligar o meu walkman e me perder pelas trilhas pálidas na volta para o meu 'fundo do mar'.
Não sei o que aconteceu com Sienita depois - na verdade nem procurei saber - mas só sei que nunca vi, e não quero perder, uma imagem tão bela e serena quanto aquele sorriso estampado em teu rosto.

Bom meu caro, vou ficando por aqui... Minha dor de cabeça está me matando! Contudo, se alguém lhe perguntar algo acidente ou incidentalmente, diga que eu sigo com meus botões desbotados, uns textos inúteis, e um bom e velho Blues.

2 comentários:

Marcos disse...

Sem comentários... Simplesmente a realidade que vivemos.

Abs Marcos.

Maíra Souza disse...

As vezes a gente toma a dor dos outros, e as vezes eles percebem. Tenho certeza que ela sentiu isso, e se contentou pelo menos um pouco com a importância que você deu à tristeza dela.

Texto fodah!
Gostei demais. Tão profundo.. Tão real!

BjO